quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A mais bela carta de amor já vista...

Carta de Lewis Carroll para sua pequena amiga Gertrude Chataway

Gertrude Chataway foi a mais importante criança que o escritor Lewis Carroll teve como amiga. O poema A caça ao Snark, inclusive, é dedicado a ela e aberto com um acróstico com seu nome. Biógrafos de Carroll, conhecido por escrever Alice no país das maravilhas, revelam que ele conheceu a garota quando ela tinha apenas 9 anos e que, desde então, os dois mantiveram uma amizade que se estendeu até a vida adulta. Meio estranho? Espere até ler a carta.

“Minha querida Gertrude, você vai ficar admirada, surpresa, desolada ao saber que terrível indisposição eu senti quando você partiu. Mandei chamar um médico e lhe disse: ‘Dê-me um remédio contra o cansaço porque eu estou cansado’. Ele me respondeu: ‘Nunca! Você não precisa de remédio! Se você está cansado, vá para a cama!’ ‘Não’, repliquei, ‘não se trata desse tipo de cansaço que passa quando se deita. Eu estou cansado no rosto.’ Ele ficou muito sério e depois disse: ‘Sim, estou vendo, é seu nariz que está cansado; e isso acontece por que você mete o nariz em tudo’. E eu respondi: ‘Não, não é bem o nariz. Talvez tenha sido um gole de ar’. Então ele fez uma expressão de espanto e disse: ‘Agora estou entendendo: naturalmente você tocou muitas árias em seu piano’. ‘De forma nenhuma, protestei. Nada de árias, mas de alguma coisa que fica entre o meu nariz e o meu queixo’. Aí ele ficou muito sério e perguntou: ‘Ultimamente você tem andado muito com seu queixo?’ Eu disse: ‘Não’. ‘Bem!’ disse ele, ‘isso me preocupa muito. Não sente alguma coisa nos lábios? ‘Claro!’ exclamei. É exatamente isso que eu sinto!’ Então ele ficou mais sério do que nunca e disse: ‘Acho que você andou dando muitos beijos’. ‘Bem’, respondi, ‘na verdade eu dei um beijo numa menininha que é muito minha amiga.’ ‘Pense bem’. disse ele, ‘você tem certeza de que foi somente um?’ Eu pensei bem e disse: ‘Talvez tenham sido onze’. Então o doutor respondeu: ‘Você não deve dar nenhum beijo até que seus lábios tenham descansado bastante’. ‘Mas o que devo fazer’, repliquei, ‘se ainda estou devendo a ela cento e oitenta e dois beijos?’ Nessa hora ele ficou tão triste, mas tão triste, que as lágrimas começaram a rolar em seu rosto. E ele disse: ‘Você pode enviálos numa caixa’. Então eu me lembrei de uma pequena caixa que eu havia comprado em Dover, pensando em poder um dia oferecê-la a uma menininha. Por isso é que eu lhe envio essa caixa depois de ter colocado nela todos os meus beijos. Diga-me se eles chegaram bem, ou se algum se perdeu pelo caminho.”

sábado, 7 de setembro de 2013

Menina que brilhava


(trecho inicial do novo conto)
Garimpo, Carybé




Mariá nem era Mariazinha, era Mariiinha, mesmo e já era sabida, buliçosa que só ela e não é que encontrou pedra, pedra graúda? E aquilo era brilho, era brilho. Mariinha que não fazia nada que prestasse, parecia menino quando corria suja de terra, se enfiava nos buracos, descalça e nem camisa botava, era só a boca de sujeira seca no canto, cabelo bichinhado e sei que mexia e botava a mão onde não podia. O olho, o olho era mais estranho que luzia, ninguém nunca viu ali no interior aquela cor brilhando dentro do olho, cor de pedra. E o cabelo era marrom queimado, daquele sol que se acabava na estrada de chão e fogueava tudo, amorenando menino, areia vermelha de sol que desmaiava povo de fora do interior e caía tudo duro no chão. Mariinha era danada igual menino, Mari-inha, a gente chamava, que nem a mãe entendia como se era isso, só chamava Mariá e pronto, mas o resto chamava assim.

Um dia Mariinha viu uma coisa que brilha e muito graúda, parecia tesouro, coisa que ladrão e garimpeiro não se via e se leva de uma vida para ver. As gentes do garimpo, o pai dela, eles todos fazia de um tudo pra encontrar e bem que tentasse uma pedrinha nos rios, um brilhozinho de pedra, mas foi a menina buliçosa com outro menino da Ponta que viu, quis pegar e não deu, que chegou gente no cavalo e foram embora. E era brilhante e era escondido e sujo de terra, mas brilhava era muito, muito dinheiro. O pai que não acreditava, a mãe ralhou e fez pouco, mas os meninos dizia que tinha pedra brilhante do outro lado do rio, tinha, sim, e que luzia de arder olho de menino. O pai pegou foi a pá de lixo enferrujada, nem tirou o lixo de cima e deu surra em Mariinha que sujou a casa toda. Era para Mariinha parar de falar mentira do que não viu e não andar se enfiando pelos matos, que aquilo lá era coisa de menina, menina ajuda é a mãe em casa, menina faz é bolo igual às irmãs faz, que dasse de comer pra os patos que era uma fome só, lavar a pia, que a casa, aquilo tava uma imundície. Mariinha chorou e limpava o chão e chorava, limpando e chorando e ficou uns dias que não queria ver o pai que não podia.

E ela foi ajudando a mãe, ficou foi muito tempo sem ver o menino da Ponta, que também queria voltar e pegar a pedra mais ela e vender e ficar rico, os dois. Era ir pra o outro lado e pegar a pedra, entrar na fazenda velha que ninguém ia, os meninos miúdos se arrastando por debaixo da cerca pra o arame não cortar, junto daquele hospital que o pai foi quando ficava doente de rim. Se Mariinha atravessasse rio, virasse vento, pulasse cerca de fazenda que o pai deixasse, ela pegava aquele tesouro e dava pra pai e mãe, porque pai e mãe é o que vale na vida, isso é que é. O resto ela dava era pra o povo dali que até a água de beber tinha secado, mais de três anos que não tinha nem verde, nem nada, uma luta pra achar uma manga de pé, era só folha seca que se pisava e chegava estalar de tão seca. Na Ponta também tava assim, o menino dizia, faltava o tudo que não tinha, não tinha pra quem desse.