sábado, 5 de julho de 2014

Os Nomes das Coisas



Os Nomes das Coisas
Para Sophia de Mello Breyner Andresen


Os nomes das coisas
se inscrevem
reconditamente
num grande e pesado livro de couro escuro
letras pequeníssimas
da bula das bulas dum antigo elixir
inexprimíveis
sonho sem imagens
pena e tinta jamais percebidas.


Os nomes das coisas
cunhados pelas bocas anônimas
foram perdidos
na noite dos tempos invernais
de um país muito longe
sem história
por aquele que desconfia
nunca haver existido.

Os nomes das coisas
inserem-se misteriosamente
no casco interno das árvores
entre os seios fartos de uma moça
na noite do vôo de uma coruja 
desfazendo-se
no andar das nuvens
de um deus
que não se quer conhecido.

Os nomes das coisas
não possuem final ou meio
que a existência compreenda.
Ondas de sons
que vagueiam
no vácuo
formam o mar da palavra
uma palavra
oculta, impronunciável
A palavra
que se mata para alcançá-la
que faz morrer e enlouquecer
quem a ousa professar.